Oskar Schindler era um estúpido, diz sua esposa
fonte: https://desatracado.blogspot.com.br/2014/03/oskar-schindler-era-um-estupido-diz-sua.html
Amigos e amigas.
Graças a um bom colega do blog (Peterons), consegui obter a entrevista que Emilie Schindler deu à Folha em 14/10/1993. Nessa antológica (e "meio sumida") entrevista, ela "chuta o balde" do livro, do filme e do meio incompetente e quase nobre marido. Claro que mais tarde, ela foi convencida a amenizar o tom e elogiou o filme, etc.
Resolvi transcrevê-la para simples registro. Comprovem.
FAB29
Folha: Como foi a participação do seu marido na história filmada por Steven Spielberg?
Emilie: Eu conheci Spielberg agora, quando fui a Jerusalém participar do filme. É um moço simpático, me tratou bem. Mas o filme está errado. O livro ("Schindler's Ark", de Kennealy) em que se baseou não é bom. Há muita coisa inventada. Não foi Schindler, fui eu. Schindler não fazia nada, era um pobre coitado.
Folha: Mas ele não salvou 1.200 pessoas, 1.200 judeus, durante o nazismo?
Emilie: É verdade que ele fez a lista, mas é também verdade que eu arrumava a comida. Schindler só dizia: "Façam isso, façam aquilo!" Schindler não fazia nada, não sabia nada. Era eu quem cuidava deles.
Folha: A senhora os conhecia?
Emilie: Não. Eu só arrumei a comida. Uma vez, Schindler foi comprar farinha. Não havia farinha. Estávamos em 1944, não havia comida nem para os alemães. A comida era racionada e ele tentou trocar diamantes por comida. Não deu certo. Aí, eu fui conversar com uma mulher, uma nobre, que era dona de um moinho, e ela me disse para ir com um caminhão da fábrica buscar farinha. E nós fomos. A fábrica ficava ao lado do moinho. O caminhão saiu de um portão e entrou no outro. Vivemos meses com aquela comida.
Folha: E seu marido?
Emilie: Bom, ele arrumou vodca polonesa e eu troquei aquela vodca por aveia com um funcionário do moinho. Também ajudou. Eu ainda consegui carne. Troquei com um veterinário que arrumava carne de animais mortos, feridos. Ele queria café e nós tínhamos café. Aguentamos.
http://fuellgrafianas.blogspot.com.br/2014/08/frederico-fullgraf-aquele-sabado-com.html
Folha: Quando os russos chegaram, em maio de 1945, como foi?
Emilie: Terrível! Os nazistas, os SS, fugiram todos. Entraram num caminhão com um monte de secretárias e fugiram. Não sei se algum sobreviveu. Dos operários, sei que sobreviveram muitos, alguns dos quais eu reencontrei em Jerusalém. Na hora, foi cada um para o seu lado. Nós fomos para a Alemanha. Foram tempos bem difíceis; depois, viemos para a Argentina.
Folha: Onde a senhora conheceu Oscar?
Emilie: Schindler e eu éramos da mesma região, dos Sudetos, na época, Império Austríaco. Hoje, é Tcheco-Eslováquia (Na verdade, a Tchecoslováquia foi desmembrada em dois países e Emilie vem de onde fica a República Tcheca). Fica perto de Pilsen. Vivemos sempre lá, até a anexação pelos alemães. Minha família e a dele eram de fala alemã. Em 1939, fomos para a Polônia, para Cracóvia. Eu fiquei vivendo lá e Schindler depois foi para outra cidadezinha, onde ficava a fábrica. Eu nunca fui lá.
Folha: E depois da guerra?
Emilie: Viemos para a Argentina, depois de uma época na Alemanha. Tínhamos uma granja, uma pequena propriedade aqu em San Vicente (uma cidadezinha da periferia de Buenos Aires, cheia de chácaras e pequenos sítios). Schindler era um doido. Queria uma criação de martas para vender a pele. Eu disse que não ia dar certo. Não deu. Um dia, ele disse que iria à Alemanha, buscar o dinheiro da indenização. Nunca voltou. Soube dele muito depois. Morreu e foi enterrado em Jerusalém. Era um homem estranho.
Folha: E a senhora?
Emilie: Eu fiquei por aqui. Em 1962, 1963, vendi a propriedade para pagar as dívidas que Schindler tinha deixado. Se não fosse pela B'Nai Brit (uma organização de ajuda da comunidade judaica), que me arrumou esta casa e o terreno, não sei como estaria.
san vicente - argentina onde morou Emilie |
Folha: Os judeus ajudaram?
Emilie: Foi. Eles sabiam da história. Eu tinha muitos conhecidos judeus. Um deles, Simon Muchnik, era meu médico. Era uma boa pessoa, muito respeitado. Eles me ajudaram. Eu vim para cá, criei bois naquele quintal lá do fundo, criei galinhas, plantei. Sobrevivi.
Folha: Onde a senhora aprendeu a cuidar de animais?
Emilie: Meus pais eram agricultores. Se não fosse por isso, pela minha habilidade com animais e plantas, não sei como teria sobrevivido.
casa de emilie schindler san vicente argentina |
http://fuellgrafianas.blogspot.com.br/2014/08/frederico-fullgraf-aquele-sabado-com.html
Folha: A senhora tem filhos, parentes?
Emilie: Não tenho filhos. Só gatos e um cachorro. Tenho uma sobrinha por parte do Schindler, que eu cuidei depois da guerra e que já veio aqui uma vez, me visitar. Fomos juntas a Foz de Iguaçu. Tenho amigos que vivem em Nova York. Fui quatro vezes lá. Devo ir de novo, no final do ano, ver o filme.
Folha: O que a senhora acha do seu marido?
Emilie: Olha, eu não penso nele. Ele era meio louco. Um estúpido.
Emilie Schindler http://fuellgrafianas.blogspot.com.br/2014/08/frederico-fullgraf-aquele-sabado-com.html |
Conforme sua esposa, Emilie Schindler, Oskar além do que ela reclama acima, era também caloteiro, beberrão e mulherengo. No filme que o consagrou, "A Lista de Shindler", foi muito ficcionado.
Fonte: http://acervo.folha.com.br/fsp/1993/10/14/21/
e no site: http://www.azquotes.com/quote/790683
encontra-se esta frase de EMILIE SCHINDLER:
http://www.azquotes.com/quote/790683
http://fuellgrafianas.blogspot.com.br/2014/08/frederico-fullgraf-aquele-sabado-com.html
nova reportagem encontrada de Emilie Schindler reveladora do site :http://www.cronopios.com.br/content.php?artigo=8061&portal=cronopios
Emilie Schindler ? a crônica que não quer calar
Frederico Füllgraf
Outubro
de 2006. Faz cinco anos que morreu Emilie Schindler, viúva do
glamurizado salvador de judeus Oskar Schindler. Faleceu poucos dias
antes de seu 94o. aniversário, numa clínica na cidade de Strausberg, a
poucos km de Berlim. Morreu realizando um sonho fragmentado, o do
retorno à sua pátria; amarga pátria de ontem. Não a via desde 1949 e
quando chegou, disse, fascinada: ?A Alemanha é muito bonita, quero ficar
aqui?. Seu projeto mais importante, porém, o resgate de seu verdadeiro
papel histórico na salvação de 1.700 judeus virtualmente condenados à
morte, só lentamente emergia das sombras, para as quais ?historiadores?,
políticos e Hollywood a haviam empurrado.
Conheci-a em 1993, na cidadezinha de San Vicente, 70 km
ao sul de Buenos Aires, quando seu estado de saúde já inspirava sérios
cuidados. Para localizá-la, fez-se necessário extenuante trabalho de
investigação e o auxílio veio da desconfiada comunidade judaica
portenha. Quem fez a ponte e me anunciou por telefone, foi Finkelstein,
judeu berlinense que, fugindo dos nazistas, alcançou a América Latina
através do Expresso Transsiberiano, via Rússia e Japão, e que depois de
caçar onças e animais exóticos na selva boliviana para exportadores de
peles, aportaria em Buenos Aires
na década dos anos 50, trabalhando para a agência de notícias DPA,
antes de tornar-se o editor do ?Semanário Israelita? em língua alemã.
Com
o mapa rodoviário sobre o colo, Letícia Vota, minha porteña companheira
de então, alcançou San Vicente, pela estrada que segue a La Plata,
cortando em linha reta o início da pampa, entediante e tristonha, como
todas paisagens sem relevo. Ao receber-nos no portão de sua modesta
casa, reparei que Emilie arquejava ao caminhar e quando abriu a porta da
sala, espantei-me com a turba de dezoito gatos, que ela me apresentou,
nome por nome, e que, miando e ronronando, enroscavam-se em suas pernas,
dificultando ainda mais seus passos pela casa. Contou-me que vinha
padecendo de uma inclemente osteoporose que lhe triturava as
articulações e principalmente os ossos da coluna. Mas não se deteve em
ir à cozinha várias vezes, para servir-nos café e um farto prato com pão
e frios, que os gatos, já gordos mas desavergonhados, insistiam em
devorar, o que eu, constrangido, não
queria comer. Chamou-nos a atenção a modéstia de seus aposentos,
hermeticamente fechados, para isolar as fatais correntes de ar para uma
octogenária como ela. Era forte o odor do xixi dos gatos mesclado com os
gases do óleo diesel da estufa que aquecia sofrivelmente a sala, na
qual estávamos sentados naquele sábado frio e chuvoso. Percebemos que,
apesar da fama internacional, Emilie Schindler levava a vida de uma
mulher pobre. Sim, porque eu trazia nas mãos um exemplar de ?Schindler?s
List? do australiano Thomas Keneally, imaginando que tanto a edição do
livro, quanto a compra dos direitos do mesmo por Steven Spielberg para a
roteirização do filme homônimo, lhe tivessem rendido uma polpuda
reserva. Boquiaberto, ouvi seu relato queixoso de que o bestseller de
Keneally, que já vendera centenas de milhares de exemplares no mundo
todo, lhe rendera míseros 25 mil dólares, com os quais estava pagando
tratamento médico. Pior: Spielberg argumentara ao advogado de Emilie
que, com a aquisição dos direitos cinematográficos pagos a Keneally,
teria "quitado" sua conta com os Schindler. E ela morreu em Strausberg em amarga pobreza.
A
vida não foi generosa com Emilie. Lutou durante cinqüenta anos para
emergir da sombra de Oskar. Apesar dos treze anos que transcorrem desde
aquela primeira visita, impossível esquecer alguns detalhes. A pintura
descascada das paredes da casa, os móveis velhos e mal conservados, as
roupas de Emilie surradas e puídas, seu cabelo desgrenhado e rosto
profundamente vincado por rugas ? a tudo aderia a fuligem pastosa da
indiferença incorporada com resignação. Pareceu-me ansiosa em contar sua
história, com frases repetitivas e um olhar fixo no passado, capaz de
aprisionar o tempo nos objetos que a cercavam; tempo que aludia das
fotos que ia retirando, com emoção reprimida, de uma caixa de sapatos,
estendendo-as sobre a mesa. Fotos que remontavam ao final da década dos
anos 30, na Morávia, República Tcheca, revelando uma jovem mulher
vencedora, filha de pais ricos, que apostou todas suas fichas para ser
feliz ao lado de Oskar.
Mas,
o tempo que veio depois, assim diziam as duas rugas de amargura nos
cantos de sua bonita boca, dilatou-se em intermináveis cinqüenta anos de
infelicidade.
Quando admiti, rindo, que sua semelhança com
Lauren Bacall me arrancara suspiros naquela foto em preto e branco
(diante de sua casa na Morávia, com o carimbo do ano de 1938 ainda
legível, aplicado pelo fotógrafo no verso), na qual estava abraçada ao
galã Oskar, consegui roubar-lhe um sorriso fugaz, logo espantado por um
aceno de desdém: ?Mas ele sempre viveu pendurado em outras saias!?,
advertiu.
Ao
despedir-me deste primeiro encontro, já parado do lado de fora do
portão, perguntei-lhe se poderíamos gravar seu memorável depoimento, que
semanas depois seria transmitido pela Deutsche Welle (DW-TV) para o
mundo todo, em alguma estação de trens de San Vicente. Expliquei-lhe que
eu tinha imaginado que ela e Oskar tivessem se despedido numa
plataforma de trem, quando ele partiu da Argentina em 1957. É que eu
guardava em minha memória visual as fantasmagóricas imagens de estações
de trem e o ranger metálico, gritado, das rodas dos vagões carregados de
judeus, em lento movimento rumo aos campos de concentração nazistas...
A
octogenária sorriu cinicamente, destruindo meu roteiro: ?Não foi nada
romântico, ele apenas acenou, aí do lado de fora do portão, onde o sr.
está. Virou as costas e partiu, foi assim que eu o vi pela última
vez..?. Voltei ao carro e enquanto este rumava de volta a Buenos Aires,
esforcei-me em disfarçar a imensa tristeza, reclamando do ?vento? que,
debaixo dos óculos escuros, me arrancava lágrimas dos olhos. A imagem
dos trens, porém, se instalara de forma tão insistente em meu imaginário
que, ao retornar a San Vicente, três dias depois, com minha equipe de
TV, teimei em documentar a única estação, onde há anos já não circulavam
trens, cujo sino estava enlaçado por uma imensa teia de aranha e cujos
trilhos, que pareciam vir do nada e ir para lugar nenhum, estavam
abraçados por uma imensa capoeira. No filme, usei esta imagem como
metáfora de Emilie, la olvidada,
cujo ilimitado amor, há muito amalgamado com indignação e fel,
escapou-lhe dos lábios, quando mal nos tínhamos acomodado debaixo de um
pessegueiro em flor, para gravar a entrevista em seu jardim. Apontando
para uma pequena elevação de terra coberta de grama, no fundo do pomar,
disparou, secamente: ?Sabe o que é aquilo ? Aquela é a cova do meu
cachorro, mais digna e florida que o túmulo de Oskar em Jerusalém, lhe
asseguro ? ele não merecia outra coisa !?.
Uma por uma, Emilie
espinafrou as afirmações do livro de Keneally, que eu mantinha no colo e
folheava para as perguntas, que ela respondia diante da câmera. Uma das
que mais me impressionou e repercutiu pelo mundo afora, foi sua
descrição dos enfrentamentos verbais que afirmou ter tido com Amon Göth,
o comandante SS do campo de concentração de Cracóvia: ?Certa noite,
durante um jantar em nossa casa, quando ele falou aquela baboseira toda,
com aquela empáfia patrioteira, sobre a necessidade de sermos ?bons
alemães e esquecermos os judeus? etc. e tal, pedi-lhe que fosse embora,
caso contrário eu lhe meteria a mão na cara, ali mesmo ? e ele
levantou-se e foi !?, disse, olhando para a câmera, desafiadora: ?O
Oskar comia pelas bordas, mas eu não tinha medo daqueles caras, eu os
enfrentava..?, advertiu.
Com
estas atitudes destemidas, Emilie protegeu e salvou, inicialmente, 330
judeus ? homens, mulheres e crianças ? do extermínio na Polônia ocupada.
É que lhe coube decidir, se um grupo de 330 judeus, que já se
encontravam presos num trem, deveria seguir para um campo de extermínio,
ou ficar com ela, "para trabalhar na fábrica": ?Na realidade eles
estavam muito fracos para trabalhar, mas eu disse aos guardas que
precisava deles, assim mesmo, e daí começamos a enterrar os mortos e a
tratar dos que estavam esgotados e doentes?.
Diante do avanço das
tropas soviéticas sobre a Polônia, Oskar e Emilie desarmaram sua
fábrica em Cracóvia e a reergueram em Brünnlitz (atual Rep. Tcheca).
Remontando em sua memória um cenário de filme de mocinho e bandido,
Emilie descreve de forma divertida, como corrompeu oficiais e guardas da
Wehrmacht e da SS em Brünnlitz com jóias, e como conseguiu
contrabandear cereais para alimentar os judeus que trabalhavam na
fábrica. ?Quando as jóias acabaram, usei vodca para corromper o próprio
dono do moinho de cereais, vodca que tínhamos trazido de Cracóvia !?,
excitou-se, como se as cenas tivessem ocorrido na noite anterior... Com
muita persuasão, a justificativa perante a SS ?colou? e os Schindler
conseguiram salvar ?seus? judeus da morte.
É vã, porém, a
tentativa de encontrar estas cenas protagonizadas por Emilie Schindler
na ?Lista? de Spielberg. Simplesmente porque o diretor hollywoodiano não
realizou nenhuma pesquisa adicional ao livro de Keneally, e foi o
escritor quem cometeu as graves omissões, limitando-se a entrevistar
Oskar, enquanto vivo na Alemanha, e seu ex-assistente em Cracóvia, o
judeu Isaac Stern, que elaborara a famosa lista e que depois da 2a.
Guerra emigrou para os EUA. Pior: não tivesse sido Stern - em cuja loja
Keneally comprara uma mala e que o seduziu para escrever o livro, para o
qual Stern e Oskar tanto buscavam um autor - e Emilie não teria
recebido um tostão furado de direitos autorais da venda do livro ? por
decisão de Oskar, e daí a sua grande amargura.
Disse-nos
Emilie diante da câmera da Deutsche Welle TV: ?Oskar ?privatizou? a
história da lista, como se tivesse sido seu único protagonista. Nunca me
informou que um livro estava sendo escrito e foi graças à decência do
Sr. Stern, que advertiu a editora sobre a minha pobre vida na Argentina,
que acabei recebendo 20 mil dólares?. Muito antes de Spielberg, um
grande diretor, de fato, estava
apaixonado pela estória e esta, assim como a vida de Emilie poderiam ter
tomado um rumo completamente diferente. O diretor chamava-se Fritz
Lang; o legendário diretor de "Metropolis".
Só com muito esforço
consegui evitar, pouco antes da estréia do filme de Spielberg, que da
entrevista televisiva com Emilie fosse suprimida (censurada, por temor a
pressões) sua explosiva denúncia, de que até o final de 1993 não havia
recebido nenhum níquel de direitos autorais de Spielberg ? acusação
renovada contra Spielberg no Festival de Cannes de 2001, pelo cineasta
Jean Luc Godard, através de um personagem de seu filme ?Elogio do Amor?.
Pressionado, em 1996 Spielberg resolvera remeter 50 mil dólares à
anciã, mas esta levou adiante sua denúncia, que ganhou os foros da
Justiça, quando Emilie passou a reivindicar seis por cento de
participação na exploração comercial internacional d? ?A Lista?. O
processo, porém, nunca progrediu e Spielberg ficou lhe devendo até a
morte, o que constitui um dos episódios mais antiéticos da história de
Hollywood. Não teria custado nada ao oportunista e mais rico dos
diretores norte-americanos, gratificar com justiça a grande, porque ?
comparativamente a Oskar Schindler - modesta e arredia heroína da
lendária ?Lista?, que durante décadas vegetou socialmente no anonimato
de San Vicente, e que continuava pobre, enquanto a ?Lista? enriquecia
Spielberg. São comoventes, por outro lado, as formas através das quais a
Argentina, seu país anfitrião, a tratou do primeiro ao último dia sua
permanência. Durante mais de 20 anos a comunidade judaica de Buenos
Aires custeou suas necessidades básicas com habitação. Foi o Congresso
argentino quem a declarou ?Cidadã Ilustre da República Argentina? em
1999, foram os jogadores do River Plate quem lhe ofertaram uma cadeira
de rodas, quando Emilie já não podia mais caminhar, e foi na Argentina,
finalmente, onde Emilie conseguiu publicar seu livro de memórias.
É
hilariante que, apesar d? ?A Lista? de Spielberg e do cerco televisivo,
Emilie só tenha conseguido quebrar o anonimato com sua autobiografia
?Eu, Emilie Schindler?, redigido por Erika Rosenberg e lançado
internacionalmente na Feira do Livro de Frankfurt de 2001. O que fez
Emilie retornar à Alemanha, alguns meses antes, foi aquele instinto de
animal moribundo, que busca o chão da infância para seu último suspiro.
Nos bastidores, entretanto, voltara a travar uma batalha jurídica
inteiramente nova: a posse da Mala de Schindler, encontrada no sótão de
uma casa na cidade alemã de Hildesheim, pelos filhos de uma ?confidente?
de Oskar, falecida em 1999. A
mala havia sido presenteada por Oskar à ?amiga?, e continha nada mais e
nada menos que os originais da famosa Lista datilografados por Stern,
várias cópias do valioso documento, mapas, fotos e intensa
correspondência trocada ao longo de quase vinte anos, desde que deixara a
Argentina. Como a mala fora entregue ao jornal Stuttgarter Zeitung, que
publicou todo o material em forma de série, sem consulta a Emilie, esta
processou o jornal e reivindicou tanto a posse da mala, como uma
indenização no valor de 100 mil Marcos. Através de um acordo, conseguiu
um acerto sobre 25 mil, mas a mala já estava depositada no Memorial Jad
Vashem em Israel. Até
o final de setembro de 2001, Emilie Schindler lutou pela transferência
definitiva da lendária mala para a Casa da História da República Federal
da Alemanha, em Bonn, mas um derrame a fulminou antes que se
regozijasse pelo resgate ? de sua própria história e de seus adereços.
Conheci-a em 1993, na cidadezinha de San Vicente, 70 km ao sul de Buenos Aires, quando seu estado de saúde já inspirava sérios cuidados. Para localizá-la, fez-se necessário extenuante trabalho de investigação e o auxílio veio da desconfiada comunidade judaica portenha. Quem fez a ponte e me anunciou por telefone, foi Finkelstein, judeu berlinense que, fugindo dos nazistas, alcançou a América Latina através do Expresso Transsiberiano, via Rússia e Japão, e que depois de caçar onças e animais exóticos na selva boliviana para exportadores de peles, aportaria em Buenos Aires na década dos anos 50, trabalhando para a agência de notícias DPA, antes de tornar-se o editor do ?Semanário Israelita? em língua alemã.
Com o mapa rodoviário sobre o colo, Letícia Vota, minha porteña companheira de então, alcançou San Vicente, pela estrada que segue a La Plata, cortando em linha reta o início da pampa, entediante e tristonha, como todas paisagens sem relevo. Ao receber-nos no portão de sua modesta casa, reparei que Emilie arquejava ao caminhar e quando abriu a porta da sala, espantei-me com a turba de dezoito gatos, que ela me apresentou, nome por nome, e que, miando e ronronando, enroscavam-se em suas pernas, dificultando ainda mais seus passos pela casa. Contou-me que vinha padecendo de uma inclemente osteoporose que lhe triturava as articulações e principalmente os ossos da coluna. Mas não se deteve em ir à cozinha várias vezes, para servir-nos café e um farto prato com pão e frios, que os gatos, já gordos mas desavergonhados, insistiam em devorar, o que eu, constrangido, não queria comer. Chamou-nos a atenção a modéstia de seus aposentos, hermeticamente fechados, para isolar as fatais correntes de ar para uma octogenária como ela. Era forte o odor do xixi dos gatos mesclado com os gases do óleo diesel da estufa que aquecia sofrivelmente a sala, na qual estávamos sentados naquele sábado frio e chuvoso. Percebemos que, apesar da fama internacional, Emilie Schindler levava a vida de uma mulher pobre. Sim, porque eu trazia nas mãos um exemplar de ?Schindler?s List? do australiano Thomas Keneally, imaginando que tanto a edição do livro, quanto a compra dos direitos do mesmo por Steven Spielberg para a roteirização do filme homônimo, lhe tivessem rendido uma polpuda reserva. Boquiaberto, ouvi seu relato queixoso de que o bestseller de Keneally, que já vendera centenas de milhares de exemplares no mundo todo, lhe rendera míseros 25 mil dólares, com os quais estava pagando tratamento médico. Pior: Spielberg argumentara ao advogado de Emilie que, com a aquisição dos direitos cinematográficos pagos a Keneally, teria "quitado" sua conta com os Schindler. E ela morreu em Strausberg em amarga pobreza.
A vida não foi generosa com Emilie. Lutou durante cinqüenta anos para emergir da sombra de Oskar. Apesar dos treze anos que transcorrem desde aquela primeira visita, impossível esquecer alguns detalhes. A pintura descascada das paredes da casa, os móveis velhos e mal conservados, as roupas de Emilie surradas e puídas, seu cabelo desgrenhado e rosto profundamente vincado por rugas ? a tudo aderia a fuligem pastosa da indiferença incorporada com resignação. Pareceu-me ansiosa em contar sua história, com frases repetitivas e um olhar fixo no passado, capaz de aprisionar o tempo nos objetos que a cercavam; tempo que aludia das fotos que ia retirando, com emoção reprimida, de uma caixa de sapatos, estendendo-as sobre a mesa. Fotos que remontavam ao final da década dos anos 30, na Morávia, República Tcheca, revelando uma jovem mulher vencedora, filha de pais ricos, que apostou todas suas fichas para ser feliz ao lado de Oskar.
Quando admiti, rindo, que sua semelhança com Lauren Bacall me arrancara suspiros naquela foto em preto e branco (diante de sua casa na Morávia, com o carimbo do ano de 1938 ainda legível, aplicado pelo fotógrafo no verso), na qual estava abraçada ao galã Oskar, consegui roubar-lhe um sorriso fugaz, logo espantado por um aceno de desdém: ?Mas ele sempre viveu pendurado em outras saias!?, advertiu.
Uma por uma, Emilie espinafrou as afirmações do livro de Keneally, que eu mantinha no colo e folheava para as perguntas, que ela respondia diante da câmera. Uma das que mais me impressionou e repercutiu pelo mundo afora, foi sua descrição dos enfrentamentos verbais que afirmou ter tido com Amon Göth, o comandante SS do campo de concentração de Cracóvia: ?Certa noite, durante um jantar em nossa casa, quando ele falou aquela baboseira toda, com aquela empáfia patrioteira, sobre a necessidade de sermos ?bons alemães e esquecermos os judeus? etc. e tal, pedi-lhe que fosse embora, caso contrário eu lhe meteria a mão na cara, ali mesmo ? e ele levantou-se e foi !?, disse, olhando para a câmera, desafiadora: ?O Oskar comia pelas bordas, mas eu não tinha medo daqueles caras, eu os enfrentava..?, advertiu.
Diante do avanço das tropas soviéticas sobre a Polônia, Oskar e Emilie desarmaram sua fábrica em Cracóvia e a reergueram em Brünnlitz (atual Rep. Tcheca). Remontando em sua memória um cenário de filme de mocinho e bandido, Emilie descreve de forma divertida, como corrompeu oficiais e guardas da Wehrmacht e da SS em Brünnlitz com jóias, e como conseguiu contrabandear cereais para alimentar os judeus que trabalhavam na fábrica. ?Quando as jóias acabaram, usei vodca para corromper o próprio dono do moinho de cereais, vodca que tínhamos trazido de Cracóvia !?, excitou-se, como se as cenas tivessem ocorrido na noite anterior... Com muita persuasão, a justificativa perante a SS ?colou? e os Schindler conseguiram salvar ?seus? judeus da morte.
É vã, porém, a tentativa de encontrar estas cenas protagonizadas por Emilie Schindler na ?Lista? de Spielberg. Simplesmente porque o diretor hollywoodiano não realizou nenhuma pesquisa adicional ao livro de Keneally, e foi o escritor quem cometeu as graves omissões, limitando-se a entrevistar Oskar, enquanto vivo na Alemanha, e seu ex-assistente em Cracóvia, o judeu Isaac Stern, que elaborara a famosa lista e que depois da 2a. Guerra emigrou para os EUA. Pior: não tivesse sido Stern - em cuja loja Keneally comprara uma mala e que o seduziu para escrever o livro, para o qual Stern e Oskar tanto buscavam um autor - e Emilie não teria recebido um tostão furado de direitos autorais da venda do livro ? por decisão de Oskar, e daí a sua grande amargura.
Só com muito esforço consegui evitar, pouco antes da estréia do filme de Spielberg, que da entrevista televisiva com Emilie fosse suprimida (censurada, por temor a pressões) sua explosiva denúncia, de que até o final de 1993 não havia recebido nenhum níquel de direitos autorais de Spielberg ? acusação renovada contra Spielberg no Festival de Cannes de 2001, pelo cineasta Jean Luc Godard, através de um personagem de seu filme ?Elogio do Amor?. Pressionado, em 1996 Spielberg resolvera remeter 50 mil dólares à anciã, mas esta levou adiante sua denúncia, que ganhou os foros da Justiça, quando Emilie passou a reivindicar seis por cento de participação na exploração comercial internacional d? ?A Lista?. O processo, porém, nunca progrediu e Spielberg ficou lhe devendo até a morte, o que constitui um dos episódios mais antiéticos da história de Hollywood. Não teria custado nada ao oportunista e mais rico dos diretores norte-americanos, gratificar com justiça a grande, porque ? comparativamente a Oskar Schindler - modesta e arredia heroína da lendária ?Lista?, que durante décadas vegetou socialmente no anonimato de San Vicente, e que continuava pobre, enquanto a ?Lista? enriquecia Spielberg. São comoventes, por outro lado, as formas através das quais a Argentina, seu país anfitrião, a tratou do primeiro ao último dia sua permanência. Durante mais de 20 anos a comunidade judaica de Buenos Aires custeou suas necessidades básicas com habitação. Foi o Congresso argentino quem a declarou ?Cidadã Ilustre da República Argentina? em 1999, foram os jogadores do River Plate quem lhe ofertaram uma cadeira de rodas, quando Emilie já não podia mais caminhar, e foi na Argentina, finalmente, onde Emilie conseguiu publicar seu livro de memórias.
É hilariante que, apesar d? ?A Lista? de Spielberg e do cerco televisivo, Emilie só tenha conseguido quebrar o anonimato com sua autobiografia ?Eu, Emilie Schindler?, redigido por Erika Rosenberg e lançado internacionalmente na Feira do Livro de Frankfurt de 2001. O que fez Emilie retornar à Alemanha, alguns meses antes, foi aquele instinto de animal moribundo, que busca o chão da infância para seu último suspiro. Nos bastidores, entretanto, voltara a travar uma batalha jurídica inteiramente nova: a posse da Mala de Schindler, encontrada no sótão de uma casa na cidade alemã de Hildesheim, pelos filhos de uma ?confidente? de Oskar, falecida em 1999. A mala havia sido presenteada por Oskar à ?amiga?, e continha nada mais e nada menos que os originais da famosa Lista datilografados por Stern, várias cópias do valioso documento, mapas, fotos e intensa correspondência trocada ao longo de quase vinte anos, desde que deixara a Argentina. Como a mala fora entregue ao jornal Stuttgarter Zeitung, que publicou todo o material em forma de série, sem consulta a Emilie, esta processou o jornal e reivindicou tanto a posse da mala, como uma indenização no valor de 100 mil Marcos. Através de um acordo, conseguiu um acerto sobre 25 mil, mas a mala já estava depositada no Memorial Jad Vashem em Israel. Até o final de setembro de 2001, Emilie Schindler lutou pela transferência definitiva da lendária mala para a Casa da História da República Federal da Alemanha, em Bonn, mas um derrame a fulminou antes que se regozijasse pelo resgate ? de sua própria história e de seus adereços.
fonte: http://www.cronopios.com.br/content.php?artigo=8061&portal=cronopios
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.